Tradição Africana
O Candomblé no Brasil e a diluição do conhecimento ancestral
A volta à África, na contramão do Orixá.
*Por ÌYÁLÒRISÁ Sandra Medeiros Epega
O culto aos ÒRÌSÀ, dentro da etnia yorùbá, em terras do Golfo de
Guinéa, mais especificamente Nigéria, Benin (antigo Dahomey) e Togo
era a prática religiosa costumeira, até a chegada do
europeu “cristianizador” e “colonizador”. Cada tribo e aldeia tinha
suas preferências e especificações dentro do vasto panteão yorùbá.
Sendo que o culto de ÈSÚ (Exu) -ÒRÌSÀ do movimento, deus mensageiro –
e ÒRÚNMÌLÁ – deus da adivinhação – estavam presentes em todos os
locais de culto.
Os ancestrais, chamados Egungun, eram respeitados e invocados para
participar de todos os atos de seus descendentes, sendo também os
distribuidores de justiça através de sociedades religiosas secretas.
A escravidão fez com que o povo yorùbá se dispersasse por todo o
mundo novo, e sua herança religiosa seguiu com ele.
Em meio à violência, ao sofrimento, ao seqüestro do negro yorùbá,
quando de sua chegada ao Brasil, ÒRÌSÀ e Egungun vieram junto, e aqui
se instalaram. O negro para ser escravo, os ÒRÌSÀ para defendê-lo e
confortá-lo, conforme previsão feita por ÒRÚNMÌLÁ seis mil anos antes.
Inúmeras outras tribos e etnias também foram trazidas ao Brasil
durante o período da escravidão, e também trouxeram seus deuses e
suas crenças. Em todos estes quatrocentos anos de convivência
forçada, esses inúmeros deuses africanos fundiram-se em uma grande
religião, chamada Candomblé.
E nos últimos cem anos, outra religião nasceu, descendente do
candomblé, a brasileira Umbanda.
O Candomblé, religião única, na realidade é uma composição de crenças
tribais africanas, que se divide em nações, que indicam a procedência
do culto e o tipo de deus que o rege.
A nação Ketu, oriunda de terra yorùbá, fala a língua yorùbá e cultua
ÒRÌSÀ e Egungun.
A nação Angola, vinda da tradição Bantu, cultua Inkisse e fala
inúmeras línguas, como Kimbundo e Kikongo.
A nação Gege é originária do Benin (Dahomey) e Togo, fala a língua
ewe-fon e cultua Vodun.
Cada nação hoje se subdivide em várias outras, e sua expressão verbal
é bem descaracterizada, apesar de farto trabalho de recuperação dos
dialetos originais, feito por Universidades, Institutos Culturais e
similares.
O candomblé é sincrético, apresentando aspectos cristãos bem
acentuados, bem como influência indígena brasileira, e até mesmo
oriental em algumas casas. Todas as nações têm em comum a “afro-
descendência”, o sincretismo cristão, o fato de serem religiões
iniciáticas pautadas pelo segredo, e a transmissão oral de
conhecimento religioso.
Oriundas ou não de etnias ágrafas, a oralidade tem se mantido, apesar
de ambientadas em país ocidental, onde a grafia, a comunicação, a
literatura e a mídia dominam a todos, desde a mais tenra infância.
Temos que ter sacramentos, utilizá-los e divulgá-los, para que
sejamos respeitados como religião, e exigindo de outras confissões
religiosas respeito por estes sacramentos, por nossos rituais e
sacerdotes, e que possamos ter convivência pacífica, uma vez que o
Brasil é pluri racial, multi-étnico e religioso.
E mais que tudo isso, os tradicionalistas crêem que ÒRÌSÀ veio
originalmente da África, tendo instalado seu culto no Brasil e no
Mundo Novo, conforme previsão milenar de Orunmila.
Que o conhecimento brasileiro, disperso, sincrético, alterado, pode
ser acrescido de muito ASE, bastando para isso que as pessoas se
abram para ele. E, quando o sacerdote afro brasileiro nega esta vinda
de ASE da África, insistindo que o culto lá morreu, mas se mantém
vivo e forte no Brasil, que o culto estático e inalterado de 400 anos
(palavras dele) é mais “puro” que este mesmo culto dinâmico em terras
Yorùbá, aquele outro sacerdote, o afro descendente, o
dito “africanizado” sente então que o Oceano Atlântico é uma grande
avenida, e que ele, ao voltar pleno de ASE, de conhecimento, de
descobertas, de sabedoria, e de boa vontade para divulgar tudo isso,
está na realidade andando na contramão do ÒRÌSÀ, no contrafluxo do
ASE oficial afro brasileiro.
E só resta a ele negar a si próprio esta brasilidade religiosa, sem
contudo negar o direito ao sacerdote do Candomblé de falar e agir
assim. Porque ele aprendeu às próprias custas, que seu direito
esbarra na fronteira do vizinho, e gostaria muito que sua fronteira
fosse respeitada.
Transforma – se então, no brasileiro Yorùbá, cidadão com dupla
cidadania, civil e religiosa, ambas de pleno exercício, com as graças
dos ÒRÌSÀ.
Awo Ifá Bowale